Tornar algo deliberadamente obsoleto é uma invenção Americana, assim como a ideia do descartável. Conforme os fabricantes Americanos foram aprendendo a se aproveitar da obsolescência, os consumidores foram se acostumando a aceitá-la em todos os aspectos de suas vidas.
O uso da palavra obsolescência para descrever produtos ultrapassados começou a ser usada no início do século 20, quando eletrodomésticos modernos começaram a substituir fogões a lenha e lareiras, e panelas de ferros foram trocadas por panelas de aço.
A partir dos anos 1920 os americanos já tinham uma abundância e variedade enorme de produtos disponíveis, em parte porque a eletricidade começou a substituir o vapor como força motriz da indústria.
Muito tempo antes do termo “produção em massa” ser universalmente aceito, empresários já estavam preocupados com o excesso de produção e em como evitá-la não produzindo menos, mas vendendo mais. Conforme a economia do final do século 19 mudou de uma indústria movida pela força humana ou animal para o uso de máquinas, fabricantes começaram a perceber que a capacidade de produção de suas fábricas era maior do que o que poderia ser distribuído e consumido.
Enquanto de um lado foram se desenvolvendo redes de rodovias e ferrovias, lojas de departamento e redes de distribuição, do outro lado fabricantes começaram a criar campanhas de marketing inovadoras. Um dos primeiros problemas a ser resolvido era como diferenciar seu produto de outros similares. Porque o consumidor deveria comprar biscoitos da sua marca ao invés da concorrente? A ideia não era simplesmente aumentar o consumo de biscoitos, e sim criar consumo repetitivo da sua marca de biscoitos, o que aliviaria o problema do excesso de produção.
A criação de uma marca, ou branding, foi rapidamente associado com a criação da embalagem, uma outra estratégia para a criação de demanda repetitiva. Antes da invenção da embalagem comida era geralmente comprada a granel, e os fabricantes não tinham onde colocar uma marca em seus produtos. A embalagem não só resolveu este problema como permitiu que produtos fossem distribuídos para lugares muito mais distantes.
Logo fabricantes começaram fazer propagandas que criavam uma identidade para sua marca e garantiam ao seus consumidores que a qualidade e características dos produtos seriam sempre as mesmas. Isso era muito importante em uma era onde as pessoas estavam acostumadas a comprar a granel e experimentar os produtos antes.
A cultura do descartável e da ética do descarte começou nos Estados Unidos mais ou menos no meio do século 19 quando uma variedade de materiais baratos se tornou disponível para a indústria. Os produtos descartáveis foram usados para começar a criar a aceitação do consumo repetitivo e aumentar a aceitação cultural da ética do descarte, que é um parceiro necessário da obsolescência programada.
A cultura do descartável começou principalmente com produtos de higiene, com lâminas de barbear e camisinhas para os homens e absorventes e lenços de papel para as mulheres. A indústria de descartáveis se safava de acusações de desperdício e destemperança alegando que estes produtos traziam maior conforto, conveniência e higiene.
Gradualmente a popularidade de produtos descartáveis comprados e usados em nome da higiene e da saúde, fez as pessoas generalizarem o hábito de jogar fora, e as pessoas começaram a jogar produtos não tão descartáveis fora também. Com o surgimento desta cultura as éticas da durabilidade e da frugalidade foram sendo lentamente substituídas.
Durante a Primeira Guerra Mundial um funcionário do Departamento do Tesouro Americano, chamado Frank Vanderlip, tentou iniciar uma campanha em prol da frugalidade. Comerciantes por todo o país rejeitaram a ideia, e no final de 1917 começaram uma campanha anti-frugalidade. Alguns jornais também aderiram a campanha, e os jornais de Boston se recusaram a publicar uma série de propagandas pró frugalidade patrocinada por diversos acadêmicos locais.
Estas campanhas continuaram a se proliferar durante os anos 1920 com o surgimento inclusive de um comitê (o National Prosperity Committee), para combater a frugalidade e a economia. Também nesta época a confiabilidade e durabilidade dos produtos começou a ser dada como certa pelos consumidores, dos quais a maioria eram mulheres, o que fez a atenção agora se voltar para o conforto, luxo, e prestígio nos produtos comprados. O movimento contra a frugalidade foi um precursor essencial da obsolescência psicológica e baseada na moda e design.
A prática de deliberadamente encorajar a obsolescência de produtos começou com a competição entre a Ford e a General Motors nos anos 1920. Henry Ford via seu carro como o grande nivelador social, o símbolo democrático de um modelo único para todos em uma sociedade americana sem divisão de classes. Alfred Sloan, fundador da General Motors, estava menos interessado em políticas sociais e mais em poder e prestígio.
A maioria dos engenheiros no século 19 criava e produzia seus produtos para durar, mas essa mentalidade começou a mudar na virada do século. Alfred Sloan e seus colegas no MIT (Massachusetts Institut of Technology), começaram a ser ensinados exatamente o oposto: que o dinamismo da economia capitalista tornava a obsolescência tecnológica inevitável. Fabricantes vão aperfeiçoando a tecnologia de seus produtos porque estas melhoras dão a eles uma vantagem sobre sua competição ao aumentar a eficiência e diminuir custos. Como consequência, máquinas melhores se tornam mais baratas. No mundo herdado por Sloan e seus colegas, progresso em direção a uma utopia tecnológica era uma ideia aceita quase sem questionamentos.
O Model T da Ford era vendido como um produto confiável pelo preço mais baixo possível. Por este motivo Ford pode enfrentar a concorrência durante anos. Mas a durabilidade do Model T era problemática para seu fabricante, pois adiava o consumo repetitivo.
Ford encarou o desafio de sustentar a demanda com uma manipulação da economias de escala. Ao otimizar sua linha de montagem para um produto que quase não mudava e era fabricado em uma só cor, ele podia continuar a abaixar os preços conforme o custo por unidade caía em o que parecia ser um mercado em eterna expansão. Esta estratégia funcionou por anos, mas o limite da habilidade de Ford em expandir o mercado para o Model T, e as despesas para se fazer qualquer modificação, se tornaram óbvias a medida que as vendas aproximavam seu ponto de saturação.
Enquanto isso Sloan deu a tarefa de criar vantagens tecnológicas para os carros da GM para Charles F. Kettering, o homem que inventou o arranque eléctrico em 1913, e que tornou todos os outros carros imediatamente obsoletos. O arranque elétrico dobrou o mercado potencial, já que agora mulheres também poderiam operar um carro.
No começo Sloan tentou atingir Ford com as ferramentas clássicas da engenharia: tentando fazer carros tecnologicamente superiores a concorrência. Só quando esta tentativa não teve o sucesso esperado que ele começou a se voltar para meios mais criativos para vender seu produto.
Ao longo dos próximo anos Sloan foi refinando suas ideias e conhecimento sobre obsolescência, e percebeu que estilo e design poderiam tornar carros obsoletos de forma mais rápida e confiável do que a tecnologia. Em termos de fabricação, obsolescência psicológica é superior a obsolescência tecnológica, porque é consideravelmente mais barata de se criar e pode ser produzida de acordo com a demanda. Como Sloan não tinha os mesmo escrúpulos que seu concorrente, ele fez um grande esforço para encontrar novas maneiras de diminuir a durabilidade e aumentar a obsolescência.
Com a qualidade mecânica praticamente sendo dada com certa, as pessoas começaram a se interessar mais pelo design e apresentação do dos carros. Nesta época a GM começou a mudar a cor e aparência dos seus carros anualmente. A princípio estas mudanças anuais eram superficiais de um ponto de vista da engenharia, mas eram significantes o suficiente para serem percebidas pelos consumidores. A estratégia não era simplesmente fazer o Model T parecer datado, já que isso, a esta altura, já tinha sido feito. A ideia de Sloan agora era fazer os modelos anteriores da própria GM parecerem datados, como forma de encorajar os consumidores a trocar seus carros da GM por modelos mais novos. A GM também passou a oferecer linhas de produtos separadas por níveis, o que fazia os consumidores almejarem entrar em um outro nível de prestígio e conforto a cada troca de automóvel.
Enquanto isso Henry Ford continuava se recusando a embelezar o Model T (ou Tin Lizzie, como era conhecido), e ignorando os pedidos de mulheres que queriam um carro bonito e confortável. Nesta época o Tin Lizzie começou a virar motivo de piada, e foi até ridicularizado em músicas e quadrinhos.
Em 1928 Sloan inaugurou o primeiro “departamento de estilo” em uma fabricante de automóveis, que foi nomeado Art and Color Section. Como era muito caro mudar os modelos completamente todo ano, grandes mudanças em cores e no design foram colocadas em um ciclo de três anos, e este ciclo eventualmente começou a definir a durabilidade de diversos produtos. Entre estes ciclos de grandes mudanças, alguns detalhes eram mudados anualmente. Mas mesmo essas pequenas mudanças já eram o suficiente para criar um ilusão de progresso e acelerar a aparência de algo datado, o que é necessário para a obsolescência psicológica funcionar.
Na primavera de 1927 a Ford finalmente parou a produção do Model T e fechou a fabrica para reestruturação para iniciar a fabricação do Model A. Já antes de seu lançamento o Model A foi um sucesso. Ele foi projetado com diversas das características desejadas por seus consumidores, algumas relacionadas a aparência como cores e detalhes de acabamento, e diversas que tornavam o carro mais confortável e menos barulhento. Além disso o Model A eram mais barato do que modelos equivalentes da GM.
Mas gradualmente a novidade perdeu a graça e as vendas da Ford começaram a cair novamente. Em 1930 mudanças estéticas foram feitas na carcaça do Model A, mas isso não foi o suficiente para competir com as rápidas e elegantes mudanças feitas pela GM.
O Model A foi uma cara lição em obsolescência psicológica para Ford (alguns historiadores falam de um custo total de aproximadamente $250 milhões), mas uma que ele parecia ter grande dificuldade em entender. Na véspera do lançamento do Model A, Ford declarou, em total contradição com o tom das propagandas criadas para seu produto, que o carro iria ser tão forte e tão bem feito que ninguém precisaria comprar um segundo.
Para o provável deleite de Sloan, em 1932 Ford lançou o primeiro V-8 por um preço baixo e em 14 diferentes modelos. A partir daí a Ford passou a produzir carros com a mesma estratégia da GM, com modelos superficialmente diferentes que usavam uma mesma base. Mas no mesmo ano as vendas da Ford caíram novamente, e no ano seguinte a Ford finalmente adotou a política da GM de mudar o estilo dos seus carros anualmente. A obsolescência psicológica era agora a regra para os fabricantes de carros americanos. Como a indústria automobilística era a mais importante nos Estados Unidos, essa lição foi rapidamente copiada para todas as outras áreas da manufatura.
A primeira aparição do termo “obsolescência programada” foi em um artigo de 1932 escrito por Bernard London, Ending the depression through planned obsolescence. Mas este artigo não usava o termo com seu significado atual, que é manipular os materiais e estrutura de um produto para estabelecer um tempo de vida preciso. Neste artigo London sugere uma forma de acabar com a Grande Depressão através de um planejamento do governo, que consistia em declarar um tempo de uso oficial para os produtos. Depois deste tempo de uso oficial as pessoas deveriam entregar seus produtos antigos para uma agência do governo e comprar produtos novos. A ideia de London não vingou e o termo “obsolescência programada” só começou a ser usado com seu significado atual nos anos 1950.
Mas foi durante a Grande Depressão que os fabricantes começaram a usar materiais inferiores para cortar custos e deliberadamente diminuir o tempo de vida dos produtos, forçando assim os consumidores a comprar o produto novamente (o termo usado informalmente na época era “adulteração”). Eles também começaram a desenvolver formas de manipular a taxa da falha de materiais manufaturados. Nos anos 30 departamentos de pesquisa e desenvolvimento começaram a conseguir determinar quando componentes específicos de um produto iriam começar a apresentar falhas. Dois exemplos dessa época são a lâmpada incandescente e a meia-calça, que, como é mostrado no documentário The Light Bulb Conspiracy, poderiam durar pelo menos o dobro (no caso da lâmpada), ou até mais de uma vida inteira (no caso da meia-calça).
Depois disso vieram diversas brigas entre tecnologias, começando com a introdução do rádio FM, e depois da televisão, que na época se achava que iria acabar com o rádio. Depois veio a miniaturização com seus circuitos impressos, transistores e soldas feitas por máquinas, que tornou tudo que veio antes imediatamente obsoleto. Isso também tornou os novos produtos muito difíceis (e pouco práticos), de serem consertados, mas muito baratos e facilmente substituíveis pelo próximo produto muito barato.